Modelo de delegação nos Registros de Imóveis – que serve de referência internacional por sua eficiência, custo zero ao Estado, qualidade, agilidade, segurança jurídica e benefícios à população – não pode correr risco de desmonte na Reforma Administrativa em debate no Congresso Nacional
08 de outubro de 2025
O modelo constitucional brasileiro que delega a particulares, por meio de concurso público, os serviços notariais e de registro de imóveis mostra-se não apenas eficiente, mas também essencial à democracia, à segurança jurídica e à proteção de direitos fundamentais, como propriedade e moradia.
Especialistas apontam que esse modelo reduz custos para o Estado, aumenta a qualidade dos serviços e coloca o Brasil como referência internacional, mesmo com desafios persistentes, como gestão interina e situações históricas de precariedade em unidades com gestão estatal.
Esse avanço é fruto de investimentos e dedicação dos registradores. Exemplo disso é a contribuição que a Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo – Arisp/RIB-SP tem desempenhado nos últimos anos para reforçar a eficiência e qualidade no sistema de Registro de Imóveis no Brasil.
A entidade coordena a Uniregistral, universidade corporativa que oferece cursos e treinamentos voltados tanto a registradores quanto a colaboradores, promovendo especialização contínua no setor e desenvolvimento de serviços digitais, como emissão de certidões digitais, visualização de matrículas online e pesquisa de bens.
Além disso, a Arisp/RIB-SP atua para promover transparência e uniformidade nos registros. Sua Comissão de Enunciados publica interpretações padronizadas sobre temas controversos, que servem como referência para registradores, advogados e magistrados.
A entidade tem também infraestrutura que garante o uso de certificados digitais (via Autoridade Registral – AR-Arisp) para que documentos eletrônicos sejam emitidos com segurança e validade jurídica.
De acordo com Leandro Meireles, conselheiro da Arisp/RIB-SP, esses avanços contribuem para redução da burocracia, agilidade no atendimento ao público e maior confiabilidade institucional. “A delegação por concurso público trouxe profissionalismo, transparência e agilidade ao serviço extrajudicial”, diz.
Meireles alerta, no entanto, que eventuais mudanças mal calibradas, que possam ocorrer com a Reforma Administrativa em debate no Congresso Nacional, especialmente relacionadas à estatização, podem gerar retrocessos institucionais, afetar a fé pública nos registros e comprometer direitos essenciais.
Serviço público delegado por concurso público: democracia e profissionalismo
Desde a Constituição de 1988, os serviços notariais e registrais são delegados a particulares mediante concurso público. O concurso público como modo de investidura nos serviços notariais e registrais é considerado uma das mais importantes medidas adotadas pelo Constituinte de 1988, considerando que adequou o acesso às instituições notariais e registrais a parâmetros republicanos, permitindo a qualquer cidadão que logre aprovação e satisfaça os requisitos legais investir-se na função para prestação do serviço público.
O conselheiro da Arisp/RIB-SP ressalta que esse sistema acabou com o modelo de cartórios hereditários e impôs critérios de mérito e técnica. O resultado, diz, é que “os serviços notariais e registrais têm experimentado intensa transformação, já que passou a contar com profissionais preparados para uma gestão que tem primado por eficiência, qualidade e celeridade dos serviços”.
Benefícios claros à população: eficiência, qualidade e confiança
O efeito mais palpável da delegação por particulares é a melhoria constante no atendimento e nos resultados. O público depositou mais confiança nos serviços extrajudiciais, que se tornaram prestadores de funções antes restritas ao Judiciário, com atendimento confiável, célere e menos burocrático.
“Com delegatários aprovados em concurso público e submetidos a controle jurisdicional, o sistema consegue equilibrar autonomia e responsabilidade, o que favorece previsibilidade, lisura e qualidade.” Leandro Meireles, conselheiro da Arisp.
Outro ponto fundamental é que o modelo de delegação não onera o orçamento público; ao contrário: gera receitas via emolumentos, tributos e repasses.
Essa combinação de custo zero para o Estado e retorno fiscal, segundo Meireles, reforça a sustentabilidade do sistema e sua vantagem sobre modelos de prestação direta estatal.
Modelo de referência para outros países
O sistema brasileiro de registros notariais e de imóveis é visto com interesse global. Tanto que delegações estrangeiras visitam o país para aprender com o modelo brasileiro.
Considerado modelo de segurança jurídica na América Latina, Europa e países asiáticos, além de ter sido indicado pelo Banco Mundial como referência para a remodelação dos sistemas registrais do Leste Europeu, o registro de imóveis do Brasil despertou interesse também da China.
Em dezembro de 2006, uma delegação de Xangai visitou o Primeiro Ofício de Registro de Imóveis de São Paulo, para conhecer de perto o funcionamento do sistema de registro imobiliário.
“O modelo de prestação dos serviços extrajudiciais é referência internacional porque foi a mais inteligente estratégia do constituinte de 1988, já que o Estado nada despende com essa atividade e ainda recebe importante retorno financeiro com os impostos e repasses que compõem o valor dos emolumentos. Além disso, o serviço é executado por profissional habilitado por sua conta e risco, ao lado de se submeter a rigoroso controle e fiscalização do Poder Judiciário”, ressalta o conselheiro da Arisp/RIB-SP.
Dados oficiais reforçam essa percepção: o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por exemplo, registra que o sistema extrajudicial brasileiro foi reconhecido internacionalmente, como no caso da adoção da Apostila da Haia (Resolução CNJ nº 228/2016) para autenticação de documentos com validade no exterior.
Os interinos em serventias vagas: um alerta
A existência de gestores interinos em serventias vagas, além de ofuscar os pontos positivos do modelo de delegação, revela fragilidades quando o Estado assume de fato a gestão.
“Os gestores interinos não têm autonomia para aumentar salários e nem podem fazer contratações que onerem a renda da unidade, devendo obter autorização do Poder Judiciário para importantes atos que dizem respeito à administração rotineira do serviço”, diz Meireles.
Para o conselheiro, essas restrições afetam a eficiência do serviço, porque limitam a capacidade de resposta, decisão e adaptação da serventia às necessidades locais.
Ele propõe que, mesmo sob interinidade, não haja teto remuneratório ou restrições severas, preservando-se sempre o controle judicial.
Um exemplo da Bahia é usado por Meireles para ilustrar o quanto a prestação direta pelo Estado pode ficar aquém do modelo delegado.
“As unidades de serviços extrajudiciais do Estado da Bahia, por exemplo, eram oficializadas e a mídia local frequentemente noticiava relatos de pessoas que, para serem atendidas, deslocavam-se aos cartórios de madrugada para conseguir pegar limitadas senhas, formando imensas filas que muitas vezes se prolongavam por exaustivas horas”, relata.
Esse cenário evidencia, segundo ele, como a burocracia, a falta de flexibilidade e a escassez de recursos humanos ou gestão eficiente impactam diretamente a população, tornando o modelo estatal um risco real de retrocesso social.
Riscos de possíveis mudanças: alerta sem alarmismo
Mesmo com os benefícios comprovados do modelo vigente, existem riscos institucionais caso alterações promovidas pela Reforma Administrativa não preservem os pilares do sistema.
Para Meireles, “os debates que antecedem a Reforma Administrativa serão fundamentais para que se traga à luz a importância e os benefícios do atual modelo de delegação, de modo a não haver retrocessos institucionais que fragilizem a confiança e segurança características atuais dos registros públicos.”
Ele enfatiza que, se o modelo de delegação for modificado sem critérios claros, transparência e respeito aos direitos adquiridos, haverá prejuízo para a segurança jurídica, credibilidade, eficiência e, por consequência, para os cidadãos.
Manter o que deu certo é fundamental
O modelo de delegação dos registros de imóveis e serviços notariais, tal como instituído pela Constituição de 1988, tem se mostrado robusto, eficiente, democrático e com benefícios claros: custo zero ao Estado, geração de arrecadação, qualidade, agilidade, segurança jurídica e reconhecimento nacional e internacional.
Os problemas verificados no modelo estatal, especialmente no caso dos interinos ou de unidades oficializadas diretamente pelo Estado, reforçam o argumento de que mudanças devem ser feitas com extremo cuidado.
No atual momento de debate sobre Reforma Administrativa, o mais seguro para a sociedade é proteger este sistema, aperfeiçoando-o e modernizando-o — por exemplo, ampliando digitalização, capacitação e controle — sem desmontar suas bases de concorrência, mérito, delegação e fiscalização judicial.
Fonte: Gazeta do Povo